O cenário econômico global tem sido marcado por turbulências desde 2023. Diversos eventos, como crises no mercado de crédito, a desaceleração da inflação e a demora na redução das taxas básicas de juros impactaram as expectativas e especulações nas economias locais e globais.
Diante desses desafios, as estratégias de crescimento e financiamento exigem revisão e adaptação. Para entender melhor esse contexto e saber como as empresas podem traçar um caminho seguro em meio a um panorama incerto, o Portal Visão conversou com André Tavares, CFO da Softplan.
Ele compartilhou suas perspectivas sobre o impacto das turbulências econômicas e ofereceu insights para empresas que buscam prosperar em meio à volatilidade do mercado.
Inflação persistente e incertezas geopolíticas impactam crescimento da economia global
O ano de 2024 se apresenta com um panorama econômico mundial desafiador, marcado por desaceleração do crescimento, inflação persistente e incertezas geopolíticas. As projeções do FMI (Fundo Monetário Internacional), publicadas no relatório World Economic Outlook (WEO), indicam que, apesar da resiliência observada até o momento, a economia mundial enfrenta riscos significativos.
No cenário geopolítico, os conflitos no Oriente Médio e a guerra entre Rússia e Ucrânia intensificam as incertezas, impactando o contexto global, como destaca André: “Ainda não temos total dimensão se esses conflitos vão caminhar para um enfraquecimento ou se vão agravar. De qualquer forma, eles seguem influenciando os fluxos econômicos, a geração energética e os preços de commodities como o petróleo”.
Para o CFO da Softplan, essas guerras têm implicações diretas nos mercados globais, afetando não apenas as economias envolvidas diretamente, mas criando ondas de impacto em todo o sistema econômico internacional. “O aumento das tensões geopolíticas pode levar a mudanças significativas nos investimentos e nas políticas econômicas em diferentes regiões”, comenta.
Dados do Banco Mundial revelam que o crescimento do comércio em 2023 foi o mais lento em meio século, excluindo-se períodos de recessão. Esse desempenho reflete a contração no comércio de mercadorias, com a produção industrial global também apresentando fraqueza.
Embora haja projeções otimistas para 2024, com uma expectativa de crescimento do comércio global em torno de 2,3%, especialistas destacam que essa recuperação ainda é modesta. Essa perspectiva ganha relevância ao considerarmos que, após uma recessão global, o período de recuperação entre 2021 e 2024 é apontado como o mais fraco em décadas.
Reflexos das dinâmicas econômicas de grandes potências
Além das questões geopolíticas, André também destaca o cenário econômico nos Estados Unidos e seu efeito cascata: “Nos Estados Unidos, temos um cenário de inflação muito persistente. O Banco Central Americano teve que aumentar as taxas de juros, o que é uma mudança significativa em relação aos últimos anos. Isso influencia diretamente os investimentos, especialmente em empresas, startups e projetos de inovação.”.
As perspectivas do Banco Mundial são de que o crescimento americano diminua para 1,6% neste ano, com redução da poupança e taxas de juros ainda elevadas. A escassez de mão de obra e incertezas econômicas e políticas também devem afetar o investimento empresarial.
André explica que “o aumento das taxas de juros nos EUA tem um impacto global, afetando o ambiente de investimento interno e influenciando as decisões de investidores e empresas em todo o mundo”. Para ele, a dificuldade de acesso a capital a taxas mais baixas pode restringir o crescimento econômico e a inovação em vários setores.
Ele ressalta a interconexão entre as economias global e brasileira: “Se a taxa de juros americana não cai, a brasileira também não consegue cair, devido ao diferencial de taxa de juros entre as economias. Isso se reflete nas empresas e prejudica o ambiente de investimento, resultando em menos projetos e financiamentos”.
Tecnologia segue atrativa para investimentos, mas é importante avaliar caso a caso
Ao discutir oportunidades de investimento, André enfatiza a importância de avaliar não apenas setores específicos, mas as características individuais das empresas.
Ele ressalta que “empresas com alto endividamento representam um risco maior em períodos de menor dinamismo econômico, onde uma parcela significativa de seus resultados é direcionada ao pagamento de juros”. Por outro lado, ele explica que negócios que geram caixa e mantêm dívidas baixas são vistas como oportunidades interessantes.
Nesse contexto, André observa que alguns setores, como o da saúde, enfrentam desafios significativos de crescimento devido ao alto endividamento. “As operadoras, planos de saúde, seguros e hospitais estão entre as empresas que enfrentam essas dificuldades”, afirma.
Entretanto, ele destaca o setor de tecnologia, especialmente empresas de software, como um dos mais promissores. “As empresas de modo geral estão passando por uma transformação digital intensa, refletindo uma tendência global de digitalização, que tem impactado positivamente seu crescimento e potencial de geração de caixa”, justifica.
Para ele, empresas de software que sejam geradoras de caixa e que consigam apresentar boas taxas de crescimento são hoje os melhores investimentos.
Porém, ele adverte que é essencial distinguir entre empresas de tecnologia que crescem e geram caixa daquelas que, apesar de crescerem de maneira acelerada, consomem mais recursos. Este último grupo enfrentará desafios adicionais devido ao ambiente de financiamento cada vez mais restrito.
Inteligência artificial continua em ascensão
Outro ponto levantado por André é que estamos vivendo um boom significativo na área de inteligência artificial — nas palavras dele, “um momento de euforia em que todos estão de olho no impacto que a IA terá nos negócios”.
Um dado levantado pelo Sling Hub contextualiza esse cenário. Segundo a plataforma de inteligência de dados, só no primeiro semestre deste ano, startups brasileiras com IA em suas soluções levantaram mais de US$110 milhões em investimentos.
André observa que as empresas de IA estão crescendo de forma impressionante, mas adverte sobre a possibilidade de estarmos em uma fase de alta especulativa, onde esses negócios podem estar sobrevalorizados. “Embora seja um cenário de crescimento forte, este pode não ser o melhor momento para investir nesse setor devido à potencial bolha”, alerta.
Além disso, ele ressalta a transformação do mercado de trabalho impulsionada pela IA, destacando o aumento do home office e a fluidez nas relações de trabalho. André vê essas mudanças não apenas como tendências, mas como realidades que continuarão a trazer transformações significativas para o cenário mundial.
Momento exige cautela e planejamento estratégico das empresas
Este contexto, marcado por juros altos e retração da atividade econômica, exige cautela e planejamento estratégico das empresas, especialmente para aquelas que se encontram em situação de endividamento, como alerta André.
Para ele, em um momento de instabilidade, a gestão eficiente do caixa se torna crucial para a sobrevivência da empresa. “Geralmente, os gestores estão olhando muito para os resultados contábeis, como o EBITDA, e esquecem a gestão do caixa. Priorizar o fluxo de caixa garante a liquidez necessária para honrar compromissos e evitar o colapso”, explica.
André reforça que o endividamento, embora indesejável, é uma realidade para muitas empresas. Ele ressalta que a chave para lidar com essa situação está na gestão estratégica da dívida. “Se você está endividado, é hora de olhar para dentro da companhia, ver quais são as oportunidades de extração e geração de valor interno para que você consiga reduzir o nível de alavancagem”, orienta.
Outro ponto levantado por André é que para empresas com boa saúde financeira, o momento pode apresentar oportunidades únicas de investimento. “Se você é uma empresa que está crescendo, que está bem capitalizada, eu diria que este é o momento de olhar boas oportunidades de investimento”, aconselha.
Ele acrescenta dizendo que “aquisições estratégicas a preços vantajosos podem impulsionar o crescimento e fortalecer a posição de mercado”.
Segundo André, o contexto econômico atual, apesar de desafiador, oferece também oportunidades para as empresas que se mostrarem resilientes e adaptáveis. “Não há perspectiva no curto e médio prazos para os juros reduzirem muito. Então, as empresas que souberem navegar por essa crise com inteligência e planejamento estratégico sairão fortalecidas e prontas para prosperar no futuro”, conclui.
Perguntado sobre as perspectivas para os próximos meses, André prevê a continuidade de um cenário desafiador, caracterizado por altas taxas de juros e dificuldades econômicas. Ele também aponta para a importância de acompanhar de perto os desdobramentos de 2024, incluindo eventos como a eleição nos Estados Unidos, que podem impactar significativamente as decisões econômicas e de investimento.
“Embora as incertezas persistam, há uma esperança de que o cenário global possa melhorar à medida que certos fatores de risco, como conflitos internacionais, se dissipem, permitindo uma recuperação mais sólida e oportunidades renovadas para os investidores”, completa.